Ursacol não será incorporado ao SUS no tratamento CBP?

 08/08/2018

É de grande importância a manifestação de todos os colegas e até mesmo dos pacientes que usam este medicamento, frente consulta pública vigente de 04/08/18 até 23/08/18, sobre o uso do ácido ursodesoxicólico (ursacol) para Colangite Biliar Primária (CBP), pois poderá fazer grande diferença na decisão final. Posteriormente será bastante difícil. Na opinião da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias pelo SUS (CONITEC), o URSACOL não será incorporado aos medicamentos distribuídos pelo SUS, aos pacientes com CBP.

Abaixo os LINKS de interesse:

1)Consulta pública sobre URSACOL:

Relatorio_AcUrsodesoxicolico_ColagiteBiliarPrim_CP38_2018.pdf


2) Relatório para a Sociedade:

Relatorio_AcUrsodesoxicolico_ColagiteBiliarPrim_CP38_2018.pdf


3) Contribuições dos médicos e dos pacientes:

http://formsus.datasus.gov.br/site/formulario.php?id_aplicacao=40850

http://formsus.datasus.gov.br/site/formulario.php?id_aplicacao=40851


MANIFESTO DA SBH SOBRE ESTA CONSULTA PÚBLICA

Manifesto da Sociedade Brasileira de Hepatologia à Consulta Pública da CONITEC sobre o ácido ursodesoxicólico no tratamento da colangite biliar primária

Grupo de Interesse de Doenças Autoimunes e Colestáticas


A Sociedade Brasileira de Hepatologia avaliou a consulta pública nº 38, de 1º de agosto de 2018 relativa à proposta de incorporação do ácido ursodesoxicólico (AUDC) para tratamento da colangite biliar primária (CBP) e expressa no presente documento as considerações e sugestões de especialistas estudiosos da doença no Brasil.

Considerou-se a necessidade de tratamento dos pacientes com a doença que, na ausência de terapêutica específica, pode evoluir para cirrose e necessidade de transplante de fígado e a evidencia de benefícios do tratamento com AUDC na literatura mundial. Os benefícios do tratamento com AUDC são evidenciados também na pratica clinica.

A CBP é doença rara, mais frequente no sexo feminino, que se caracteriza por colestase crônica com destruição progressiva dos ductos biliares podendo evoluir para cirrose, insuficiência hepática e óbito.(1,2) Dados de prevalência nacionais são escassos, estima-se prevalência de até 40 casos por 100.000 habitantes em estudos europeus.(2) A CBP foi inicialmente chamada de cirrose biliar primaria e a nova nomenclatura, colangite biliar primaria, foi adotada a partir de 2016.(3)

Os principais sintomas da CBP são fadiga e prurido intensos, entretanto cerca de metade dos pacientes são assintomáticos ao diagnóstico. O diagnóstico da CBP é baseado em dois dos três critérios a seguir: evidência bioquímica de colestase (especialmente da fosfatase alcalina [FA]); positividade do anticorpo antimitocôndria (AAM), ou outros anticorpos específicos de CBP, incluindo Sp100 e gp210 se AAM negativo; evidência histológica de colangite destrutiva não-supurativa. A biópsia hepática não é necessária para o diagnóstico de CBP, exceto para pacientes com autoanticorpos específicos negativos para CBP, na suspeita de comorbidades como HAI ou NASH coexistentes, ou outras comorbidades (geralmente sistêmicas). (2) A presença de sintomas se correlaciona com sobrevida média sem transplante de 5 a 8 anos, além do maior risco de desenvolvimento da hipertensão portal. Aproximadamente 25% dos pacientes sintomáticos irão progredir para insuficiência hepática em 10 anos.(4)

Ácido ursodesoxicólico (AUDC), o epímero 7-b do ácido quenodesoxicólico, é um ácido biliar hidrofílico natural com menos propriedades hepatotóxicas, que tem sido utilizado há mais de duas décadas para tratamento de pacientes com CBP. Seu efeito na doença estaria relacionado às suas propriedades citoprotetoras, coleréticas, imunomoduladoras e anti-inflamátorias. Atualmente, o AUDC é recomendado pelas sociedades de hepatologia internacionais americana (AASLD) e europeia (EASL), e pela Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) como tratamento inicial para pacientes com diagnóstico de CBP e elevação de enzimas canaliculares (principalmente a FA), independentemente do estágio histológico da doença. A recomendação baseia-se em vários estudos placebo-controlados, análises combinadas e estudos caso-controle de longo prazo.(1,2,5)

Recomenda-se a dose de 13 mg a 15 mg/kg/dia de AUDC, administrado em dose única ou em dose dividida em até quatro vezes, continuamente, para tratamento da CBP. Efeitos colaterais são mínimos e infrequentes, havendo relatos de pequeno ganho de peso no primeiro ano de tratamento e efeitos gastrointestinais pouco importantes.(1,2,5)

Estudos anteriores ao tratamento com AUDC mostraram sobrevida média livre de transplante entre 10 e 15 anos em pacientes com CBP sem tratamento. Essa sobrevida era mais baixa em relação à população geral pareada por sexo e idade. O tratamento com AUDC reduz os níveis séricos de bilirrubinas, FA, GGT, colesterol total e IgM.(6,7) Verificou-se ainda retardo na progressão histológica da doença e retardo na evolução para hipertensão portal com o uso de AUDC.(8-10)

Em 1997, a análise combinada dos três principais estudos controlados que incluíram pacientes acompanhados por até quatro anos observou redução do número de óbitos e aumento na sobrevida livre de transplante no grupo em tratamento.(8) Nesse estudo, o benefício na sobrevida foi observado apenas em pacientes com fase avançada da doença, caracterizada por BT maior que 1,4 mg/dL. No entanto, devido à conhecida evolução lenta da doença em fase inicial (5-10 anos), seria necessário um maior tempo de acompanhamento para comprovar o benefício do tratamento na sobrevida de pacientes em fase inicial. Sequencialmente, vários estudos observacionais de longo prazo realizados por diferentes grupos de pesquisadores de diferentes centros do mundo demonstraram que o uso de AUDC, especialmente em pacientes com doença em fases histológicas iniciais e em pacientes com resposta bioquímica, está associado com excelente sobrevida livre de transplante hepático.(6,10-13)

Sugere-se também como evidência adicional do benefício do uso do AUDC na CBP a redução dos números de pacientes transplantados por CBP. Observou-se queda do número de indicações de transplante hepático por CBP nos EUA e na Europa após a utilização de AUDC em grande escala para tratamento da CBP nas duas últimas décadas.(14-16)

Metanalise publicada em 2012 considerou que os estudos avaliados levaram à conclusão que o AUDC parece melhorar os exames bioquímicos hepáticos, a concentração sérica de bilirrubina e a histologia hepática. Benefícios relacionados
ao tratamento com AUDC na sobrevida geral ou na sobrevida livre de transplante hepático não foram encontrados.(17) É importante destacar que existem algumas limitações à conclusão. Reitera-se na própria analise que a grande maioria dos estudos incluídos apresenta alto risco de bias. Outras limitações da metanálise são o relativo pequeno número de pacientes nos estudos incluídos, a heterogeneidade dos estudos que incluíram diferentes doses de AUDC (incluindo doses subterapêuticas) e o tempo de estudo médio de 24 (3-90) meses insuficiente para a avaliação de sobrevida de uma doença, com sobrevida média de 10 a 15 anos(17). Ademais, o não encontro de evidencia na redução na sobrevida neste contexto não significa que o mesmo não ocorra, especialmente, em se tratando de doença rara, crônica e de longa evolução.

Diante da evidencia acumulada nas ultimas décadas através de estudos longitudinais e de estudos que mostram redução da indicação de transplantes com o tratamento(17-20), a condução de estudos placebo controlado que não incluíssem o acido ursodeoxicólico como primeira indicação seria antiética. Portanto estudos controlados com placebo, teoricamente de melhor qualidade, não virão. Reitera-se que o tratamento de primeira linha com acido ursodeoxicólico já é aprovado pelas agencias reguladoras e indicado para os pacientes com CBP nos principais países
do primeiro mundo há quase duas décadas, não encontrando-se mais em discussão.

Estudos recentes indicam também a avaliação da resposta terapêutica ao AUDC durante o tratamento principalmente por meio da monitoração das enzimas canaliculares (FA).(18) Cerca de 60% dos pacientes apresenta resposta completa. Entre os pacientes que respondem ao tratamento, a melhora bioquímica usualmente pode ser observada entre um e seis meses após o início do tratamento, ocorrendo na maioria dos casos nos primeiros três meses. A resposta típica caracteriza-se por queda inicial rápida da FA, seguida por queda adicional mais lenta e progressiva.
Vários critérios para avaliação de resposta ao AUDC têm sido propostos e validados em diferentes populações. Os critérios empregados na literatura tem evoluído e estão descritos na tabela 1.(19)

Tabela 1: Critérios para mensuração de resposta bioquímica ao tratamento
com AUDC em pacientes com CBP


CritérioDefinição
Paris IFA < 3x LSN, AST < 2x LSN e bilirrubina <= 1 mg/dl após 1 ano com AUDC
BarcelonaDecréscimo ALP > 40% em direção à normalidade ou nível normal após 1 ano com AUDC
RotterdamNormalização das concentrações de bilirrubina e albumina após tratamento com AUDC quando um ou ambos os parâmetros estavam anormais antes do tratamento; ou normalização de um dos parâmetros quando ambos estavam anormais no início do tratamento
Paris IIFA e AST <= 1,5x LSN e bilirrubina total normal após 1 ano com AUDC
TorontoFA < 1,67x LSN após 2 anos com AUDC
GLOBE PBCIdade no início da terapia com AUDC, bilirrubina total, FA, albumina e contagem de plaquetas após 1 ano da terapia com AUDC são compilados para produzir um escore ajustado para idade e sexo. Um escore > 0,3 indica menor sobrevida livre de transplante.
United Kingdom-PBCBilirrubina total, ALT/AST e FA comparados ao LSN e albumina sérica e contagem de plaquetas comparadas ao LIN após 1 ano com AUDC
ALT = alanina transaminase; AST = aspartato aminotransferase; FA = fosfatase alcalina; LIN = limite inferior da normalidade; LSN = limite superior da normalidade

Metanálise recém-publicada que incluiu 15 estudos de coorte de longo prazo, realizada pelo Global PBC Study Group com 4.845 pacientes, 1.118 com desfecho final, verificou boa correlação entre níveis de FA e bilirrubinas séricas e sobrevida livre de transplante.(18) Quanto maior a redução dos níveis de FA após um ano de tratamento, maior a sobrevida. Os autores consideraram que a FA e a bilirrubina total se comportam como bons marcadores de desfecho final e poderiam ser utilizadas na prática clínica.

Independentemente do critério de resposta empregado, cerca de 40% dos pacientes apresentam resposta insatisfatória ao AUDC.(17) Pacientes que mantêm as alterações bioquímicas persistentes a despeito do tratamento com AUDC e os que apresentam piora histológica caracterizam o grupo de não respondedores. Estudos mostram que a ausência de resposta caracteriza um grupo de pior prognóstico.(10-12)

Apesar dos pacientes com resposta incompleta ao AUDC demonstrarem pior sobrevida em longo prazo quando comparados aos que responderam com normalização ou queda da FA maior do que 40%, os primeiros ainda apresentam
sobrevida melhor do que a prevista por índices prognósticos, como Mayo Risk Score. Portanto, deve-se continuar com o uso de AUDC na dose recomendada de 13-15 mg/kg/dia.(11) Por esse motivo os estudos de fase 3 atualmente em curso para CBP, com acido obeticolico e com seladelpar avaliam essas duas novas alternativas associadamente ao uso de AUDC.(13)

Diante do exposto, a Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) discorda da recomendação desfavorável da CONITEC quanto à incorporação do AUDC para tratamento de pacientes com CBP no SUS e solicita a reconsideração dessa Comissão.

Considerando o impacto econômico decorrente da incorporação do tratamento com AUDC, a SBH sugere que o mesmo seja incorporado como medicamento de primeira linha para tratamento da CBP e que sejam considerados critérios de
resposta bioquímica para avaliação da resposta ao tratamento após 12 meses de uso do medicamento, de forma a guiar a sua manutenção somente para os pacientes com resposta bioquímica documentada. Sabe-se que o grupo que
responde ao tratamento apresenta maior benefício caracterizado por retorno da sobrevida livre de transplante ou óbito à equivalente a da população saudável.

1. Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH). Recomendações da Sociedade Brasileira de Hepatologia: Para Diagnóstico e Tratamento das Doenças Colestáticas e Hepatite Autoimune Parte II. Atha Comunicação e Editora; p. 1–22.

2. European Association for the Study of the Liver. EASL Clinical Practice Guidelines: The diagnosis and management of patients with primary biliary cholangitis. J Hepatol. 2017;67:145-72.

3. American Association for the Study of Liver Diseases. A name change for PBC: cholangitis replacing cirrhosis. Disponível em: https://www.aasld.org/namechange-pbc-cholangitis-replacing-cirrhosis

4. Al-Harthy N, Kumagi T. Natural history and management of primary biliary cirrhosis. Hepatic medicine : evidence and research. 2012;4:61-71

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20. Floreani A, Caroli D, Variola A, Rizzotto ER, Antoniazzi S, Chiaramonte M, Cazzagon N, Brombin C, Salmaso L, Baldo V. A 35-year follow-up of a large cohort of patients with primary biliary cirrhosis seen at a single centre. Liver Int. 2011 Mar;31(3):361-8.

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